05 Junho 2019
Pesquisador social da Comunicação Não-Violenta afirma que para viver em democracia é preciso fazer as pazes com o conflito e que a aversão a ele é que cria perigo.
A entrevista é de Thiago Domenici, publicada por Agência Pública, 04-06-2019.
“Contraintuitivamente se eu fizesse aquilo que me dava mais medo eu iria, na verdade, me tornar mais seguro”, comenta o britânico Dominic Barter sobre sua experiência ao subir os morros cariocas há 27 anos. Nome escolhido pelos Aliados da Pública para a entrevista do mês, Barter trabalha com Comunicação Não-Violenta (CNV), Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas.
Para ele, diálogo e escuta empática são premissas da CNV. “Comunicação Não-Violenta é como se fosse o sistema operacional e mediação e justiça restaurativa são como programas desse sistema”, exemplifica.
Colega e pupilo de Marshall Rosenberg, psicólogo precursor das pesquisas em CNV, Barter avalia que o conflito é um aspecto saudável de qualquer relação que vale a pena. “Se vale a pena, em algum momento, a gente vai ter conflito”.
Perguntado se é possível valorizar a empatia quando o outro não costuma ser prioridade ele diz que a única resposta honesta é que “não sabemos”. E alerta: “A ausência de diálogo — com nós mesmos, com o outro, na sociedade — está produzindo formas de viver insustentáveis. Não há futuro coletivo sem diálogo”.
O que é Comunicação Não-Violenta (CNV) e como a define?
É um processo de pesquisa e ação que busca criar as condições necessárias para que as pessoas possam colaborar e se entender, construindo as condições mais propícias para a vida, seja na relação delas com elas mesmas, seja nas relações interpessoais. Ou, no terceiro nível, seja na nossa atuação e nossa responsabilidade para criar e manter os sistemas sociais. A CNV é uma proposta de ver esses três elementos intimamente interconectados.
Tem alguns termos usados neste universo que acho importante esclarecer. Tem a mediação de conflitos, círculos restaurativos e o próprio CNV. Onde se enquadra cada um?
Eu penso que Comunicação Não-Violenta é como se fosse o sistema operacional, e mediação e justiça restaurativa são como programas desse sistema.
Como isso chega em você?
O que faço hoje em dia começou antes de conhecer a Comunicação Não-Violenta. Eu tinha chegado no Rio em 1992 e fiquei impressionado como qualquer estrangeiro fica com a beleza, a cultura e com as pessoas. Mas também profundamente chocado com a realidade social. Eu lembro que se eu tivesse chegado em Johanesburgo [África do Sul], em 1992, estaria tão chocado quanto chegar no Rio. Mas eu sabia o que era apartheid.
O que me chocou duplamente no Rio era o extremo apartheid social e o discurso das pessoas que encontrei de que não isso não existia. “Tem pobreza, tem violência, é difícil, mas é todo mundo junto”. E eu: “mas como assim? Não tô vendo todo mundo junto, estou vendo terríveis abismos de entendimento entre diferentes grupos sociais”. Eu vi isso se manifestar de muitas formas mas não sabia o que fazer. Eu não tinha conhecimento, não tinha dinheiro, não tinha ONG, não tinha colegas, não tinha nem segundo grau completo e apenas 40 palavras de português…
O que você fez?
Eu não tolerava viver na cidade desse jeito, então quando meu visto terminou fui embora. E consegui voltar um ano depois com oferta de trabalho por uma temporada pequena. E dessa vez tentei fazer alguma coisa. Mas as pessoas justificavam: “olha, além de tudo que a gente falou antes, é incrivelmente perigoso. Você vai morrer”. Aí me submeti a esse medo. Anos depois li que quando um jornalista perguntou a Gandhi qual o oposto da não-violência — talvez pensando que ele iria falar agressão, violência, repressão — Gandhi falou: “o oposto de não-violência é submissão ao medo”. E foi exatamente esse o estado em que eu estava: submetido ao meu medo. O medo da minha incompetência, o medo do desespero da situação.
Quando voltei ao Brasil pela terceira vez em 1995 cheguei mais perto da situação que me doía tanto. Precisava sair dos lugares onde eu tinha andado até então. E comecei a pegar os ônibus até o final da linha, pegar o trem até Japeri, e sair para conhecer os lugares onde outras pessoas me disseram: “olha, você vai lá e pode acontecer alguma coisa”.
Eu queria chegar mais perto porque minha hipótese para testar era de que talvez a violência tivesse sido antes meramente um conflito. E antes disso uma tentativa frustrada de dialogar. Pensei que a violência era como se fosse um grito que precisa ter esse volume por causa da distância entre as pessoas. Por causa da negação do conflito social.
O grito e a violência é uma maneira de dizer: “não, eu vou provar pra você que a gente vive juntos. Eu vou provar pra você que nosso bem estar está intimamente entrelaçado e não existe tranquilidade pra um se não existe tranquilidade pro outro”. Se eu chegar mais perto o grito vai voltar a ser meramente conflito. Mais perto ainda, meramente diálogo. Então comecei a subir os morros.
Qual foi o primeiro morro que você subiu?
Santa Marta, depois Vidigal, Tavares, Prazeres… foi ao longo de uma série de meses que fui conhecendo diferentes lugares.
Quando você subia os morros o que você tinha em mente?
Contraintuitivamente se eu fizesse aquilo que me dava mais medo eu iria, na verdade, me tornar mais seguro. Se eu me aproximasse do que era me apresentado como sendo uma ameaça, conhecendo as pessoas do outro lado, talvez essa ameaça se transformasse. Queria testar essa hipótese.
E deu certo?
Foi estranho. Foi desconfortável entrar na comunidade de outras pessoas sem propósito, ou sem o que parece um propósito. As pessoas, normalmente, pensavam que tinha ido lá para comprar drogas. Que é esse gringo vagando pelo morro? Eu explicava que não estava lá para isso e eles me olhavam meio torto e iam embora… tinham mais o que fazer. Mas um grupo de crianças, não. Ficamos sentados lá no meio-fio batendo papo comigo. Eu comecei a frequentar mais os lugares e quando o fazia parecia mais um passo de proximidade. Parecia que dava liga. E essa liga estava transformando minha experiência de estar no Rio.
E como você foi moldando tudo isso?
O desafio maior para mim era vibrar com a perturbação de uma outra pessoa, ser solidário com uma experiência de tensão, de ameaça ou de conflito. Como você se conecta com alguém que está passando por alguma dificuldade? E a tentativa de fazer isso, de ouvir essa dificuldade, se desenvolveu nos círculos restaurativos, que acabaram sendo a primeira prática de justiça restaurativa brasileira, depois de nove anos de experimentação no nível comunitário, algo que foi solicitado pelo Ministério de Justiça nos primeiros projetos pilotos de justiça restaurativa da Secretaria da Reforma do Judiciário. E, de repente, a gente estava fazendo isso, algo desenvolvido por mim e essas crianças de sete, oito anos, dentro da vara de infância, dentro da Fundação Casa etc.
Como o Marshall Rosenberg, psicólogo precursor das pesquisas em CNV, surge na sua trajetória?
No desenvolvimento dos círculos restaurativos que conheci o Marshall, mais ou menos um ano e meio depois de começar a passar tempo com esses jovens nos morros. E quando conheci Marshall foi incrível, porque ele tinha conceitos, linguagem e 35 anos de prática fazendo coisas diferentes de mim mas dentro do mesmo campo de pesquisa.
Eu não tinha nada, não tinha experiência, nunca tinha ouvido falar de justiça restaurativa, não sabia o que era mediação na prática. Então conhecer Marshall naquele momento foi uma salvação.
O fato de ser o Rio de Janeiro é interessante por ser, em muitos aspectos, uma cidade com muita violência, o que traz esse aspecto negativo…
Negativo e positivo. Eu sempre penso que o Rio é o imaginário do Brasil. É como se fosse uma ficção real que a gente tem do Brasil.
Na sua opinião o conflito é um aspecto natural da vida das pessoas?
Acho que é um aspecto saudável de qualquer relação que vale a pena. Se vale a pena, em algum momento, a gente vai ter conflito.
Do que entendi, a sua atuação é até para colocar um olhar positivo sobre o conflito. É uma questão cultural evitar o conflito?
É cultural e não é limitado ao Brasil. Se você pensar, até muito pouco tempo atrás, você vivia sua realidade social de uma forma muito compartilhada. Se surgiam conflitos entre pessoas isso era um acontecimento significativo. Era uma ruptura no tecido social seríssima. Então, por bons motivos, a gente aprendeu a considerar conflito como sendo algo muito impactante e potencialmente perigoso.
Hoje em dia nossa realidade social é diferente. A gente vive cada vez mais perto mas a lacuna, em termos de nossa experiência de mundo, é cada vez maior. O tecido social é extremamente frágil.
Para você era golpe ou impeachment? É um mundo com uma diversidade de opções de opiniões muito diferentes. Se você quer viver democraticamente você precisa abraçar exatamente o surgimento de diferentes ideias. Você precisa cultivar a possibilidade de diferenças de diversidade e tudo mais. Você precisa fazer as pazes com o conflito. Conflito não é mais um contexto de perigo que anuncia a chegada de violência. É o aposto. O conflito é aquilo que possibilita que todas as diversidades tem voz e tem vez. É a aversão ao conflito que cria o perigo. Quanto mais distante mesmo vivendo juntos e com saudáveis diferenças de opinião, mais alto você tem que falar para compensar a minha distância. Então a gente está usando uma lógica que pertence a uma realidade social totalmente distinta daquela que a gente diz que deseja.
A gente tem uma cultura que tem muito medo de conflito. E quem teme conflito tem fantasias totalitárias. Quem tem medo de conflito está sonhando ocultamente com a chegada de uma solução única. De um grande mandante que vai dar um basta, que vai impor ordem, que vai limpar aquilo que é sujo, aquilo que é confuso. E daí você começa a desejar para o país políticas públicas que são totalmente totalitárias.
Então, a questão da nossa relação com o conflito atualmente é realmente uma questão de vida ou morte pensando na realização de um futuro democrático.
Nas últimas eleições os conflitos, as diferenças de opinião, se acirraram de maneira a promover rompimentos entre familiares e amigos. E a polarização política no Brasil está evidente. Você avalia que a eleição poderia ter sido amenizada se a Comunicação Não-Violenta fosse mais presente no dia a dia das pessoas? Você trabalha pra isso?
Eu mais ou menos trabalho para isso. Por que tem dois aspectos aqui. Um é que eu quero a palavra pública de volta. Por diferentes motivos históricos esse poder foi cedido para o Estado e o Estado está demonstrando extrema dificuldade em dar conta dos anseios da população. Quando a gente troca de governo, a gente não espera transformações significativas em várias questões básicas de nossa convivência diária. E essa ideia de que o Estado não está dando conta é uma das influências por trás desse movimento mais recente na direção da direita. A direita vem com esse discurso de diminuir o Estado mas não propõe claramente o que vai ficar no lugar.
Então, quando a gente constrói sistemas sociais dialógicos como, por exemplo, o sistema comunitário de justiça restaurativa ou fazemos uma intervenção dentro da justiça formal para colocar mecanismos de diálogo, estamos em parte respondendo a isso. Eu não estou lá como indivíduo oferecendo ou vendendo meu serviço.
Isso é importante para que a Comunicação Não-Violenta não seja cooptada como técnica ou metodologia para facilitar as coisas que não estão funcionando. Por que meu propósito não é fazer com que os conflitos decorrentes das condições que a gente vive vá embora. Eu não quero pacificar ou harmonizar aquilo que faz mal. Conflito é um mecanismo de feedback, ele está dando um retorno. Quero promover o diálogo que leve a mudança das condições sociais dentro do qual essa dor surgiu. Por que os conflitos existem no mundo por um motivo e as dores e brigas estão lá exatamente pra lembrar a gente de que não estamos vivendo de uma forma sustentável.
O conflito é um alerta de uma situação de incômodo?
O conflito é um mecanismo de retorno. Um aviso de que alguma coisa mudou e que a situação atual está desatualizada. É como aquela mensagem que aparece na tela do celular falando: você tem uma atualização, deseja instalar? E você tem um botão sim ou não. Conflito é a mesma coisa.
Poderia contar algum caso que você tenha vivido de uso de Comunicação Não-Violenta?
Seria legal dar um exemplo tanto intrapessoal, interpessoal e sistêmico para não deixar as pessoas pensando que é apenas um dos três. Então, intrapessoalmente notei que vivendo aqui, assolado por tanta notícia desafiante, que se eu não tenho espaço para reconectar com o significado que isso tem pra mim, vai começar a acumular em mim.
E, muitas vezes, como resultado disso ou eu viro essa tensão para dentro de mim, perco minha fé, minha esperança e isso me deprime ou começo a descontar nas outras pessoas e me torno exatamente aquilo que tanto desgosto nos outros. Então, uma prática muito simples de não-violência que fortalece minha capacidade de viver alinhado com os valores que a gente compartilha é ter um espaço onde eu possa olhar para esses desafios. Por exemplo, posso fazer isso trocando uma certa qualidade de escuta com uma colega. E usando todos os sentimentos que surgem no meu dia a dia como pista para me ajudar a identificar quais são os princípios, as necessidades humanas que compartilho com todos que não são atendidos por aquilo que estou vendo.
A criação que eu tive traz a ideia de que meus sentimentos são criados pelo comportamento dos outros. Ou seja, você me faz feliz, você me irrita. A gente fala essas frases como se realmente elas descrevessem um controle mágico que a outra pessoa tem para cuidar do nosso bem estar ou mal estar. Mas isso não é fato, a outra pessoa não me faz feliz ou não me irrita. O que me faz feliz é quando o comportamento da outra pessoa está alinhado com aquilo que meu organismo precisa para estar bem.
E o que me irrita é quando o comportamento do outro sobre o que está acontecendo no mundo não está alinhado com isso.
Interpessoalmente ter essa dinâmica de cuidado comigo, não para fugir do mundo mas para engajar o mundo de uma forma mais sincera, mais completa, é uma prática de não-violência extremamente valiosa.
Pode dar um exemplo recente dessa prática?
Dias atrás eu estava junto com duas pessoas que têm posições políticas radicalmente diferentes. São pessoas que você vê na televisão, que tomam decisões e que mudam a vida que você e eu temos, mas simplesmente não posso te dizer os nomes.
São políticos?
São duas pessoas com influência política. Não tem cargo mas tem influência. Eu fiz uma pergunta muito básica, um convite para expressar com mais sinceridade do que o normal alguma coisa coisa que estava mexendo com elas. E para o outro, pedi para ouvir. Normalmente, não queremos só falar, queremos falar e saber que você está me acompanhando, ouvindo, entendendo. E se você está em silêncio eu não sei o que você está pensando. Então pedi para essa pessoa não só ouvir, mas fazer um pequeno resumo do que estava ouvindo o outro dizer em certos momentos. Em 20 minutos, estavam rindo. Em 30 minutos, estavam se emocionando. Em 40 minutos, estavam abraçados.
Duvido muito que quando acordaram naquele dia imaginavam que estariam trocando essa qualidade de conexão humana com uma pessoa cuja opinião é tão drasticamente oposta ao do outro. Isso não é um grande mistério, bruxaria ou técnica oculta. É uma coisa que as sociedades humanas conhecem desde sempre, simplesmente a arte de aumentar o grau de sinceridade e de empatia na escuta.
A questão da empatia é fundamental nesse processo da CNV?
Tanto o aumento da verdade quanto o aumento da empatia. Um sem o outro cria desequilíbrio. Quando a gente fala de Comunicação Não-Violenta estamos falando no equilíbrio entre os dois. Na CNV, conexão é o meio e não o fim. O fim é a ação que reforça aquilo que serve a vida e transforma aquilo que não serve a vida. A empatia é entendida como um dos nossos meios mais poderosos, para criar condições para a mudança acontecer.
A sensação que tenho, até pelo modo de vida que temos, pelo sistema que nos rege, é que a empatia está retraída. Existe uma dificuldade de exercer a empatia?
Quero tomar cuidado com a palavra dificuldade. Parece uma patologia a ausência de empatia. Na verdade, acho que é uma resposta sensata a uma sociedade punitiva em que assumir seu poder, influência e capacidade de transformar é perigoso.
Vou ilustrar: posso falar do número de moradores de rua no centro de São Paulo que teve uma aumento substancial. Acabamos normalizando a realidade social. Isso é fruto de uma série de desigualdades que levam àquela situação. Mas se torna uma realidade em que a empatia se retraí, afinal, não damos conta de ajudar a todos…
A gente se protege contra os sentimentos intensos. Porque o que angustia tanto quem pede esmola quanto quem recebe o pedido de esmola é que a esmola é pouco para transformar a realidade dessa pessoa. Você sabe que a esmola faz com que a pessoa sobreviva até o novo pedido de esmola. Então, a situação cansa nossa capacidade empática porque cansa nossa fé de que o que se faz está ajudando.
Então, a Comunicação Não-Violenta tem no seu terceiro aspecto prático criar conversas que possibilitam que a gente comece a desenhar os novos conjuntos coletivos necessários para cuidar da nossa vida comunitária, de uma forma que não deixe as pessoas excluídas de aprendizagem, de justiça, de comida, seja qual for a lacuna sistêmica que está gerando o comportamento que a gente gostaria de transformar.
As manifestações pela educação estão no foco do debate público. Você também trabalha com educação. Como você vê esse momento político?
É muito claro que atual estratégia nas políticas públicas não está satisfazendo as pessoas envolvidas. Eu trabalho bastante nas escolas, já fui professor de ensino fundamental, médio, trabalhei com secretaria de educação, tenho uma filha. Eu não vejo alunos satisfeitos. Não vejo professores saudáveis, bem cuidados. Não vejo diretores de escola descansados e satisfeitos. Não vejo tranquilidade nas Secretarias de Educação. Não vejo tranquilidade no MEC. Ou seja, não vejo tranquilidade em ninguém envolvido nesse sistema. Algo não está funcionando. As atuais estratégias não estão satisfazendo o anseio das pessoas.
Então, gostaria de um maior alinhamento entre esses anseios e o que se está sendo feito na prática. E isso só acontece se agente parar e escutar quem está sofrendo, quem está envolvido, quem está impactado. Pessoalmente, gostaria de começar escutando os próprios jovens. Desde os movimento dos secundaristas ocupando as escolas, que foi um fortíssimo exemplo da não-violência levado a prática, não tenho visto o que eles falaram surtir mudanças.
A justiça é um elemento de mediação desde que o mundo é mundo, praticamente. Por que só agora a punição vem sendo repensada, talvez de forma tímida ainda, no caso da justiça restaurativa, que agora deve existir em cada tribunal do país? Como a CNV se relaciona com isso e o que pode representar no longo prazo?
São múltiplos os fatores que nos levam a experimentar formas dialógicas que permitem conflitos dolorosos ou violentos a se expressarem sem aumentar sofrimento, mas sim reparando danos e restaurando relações. Essa mudança não é nova. É uma das formas que as comunidades ao redor do mundo usam desde sempre para cuidar da segurança e do tecido social.
Hoje a complexidade e diversidade das nossas formas de viver, e a incapacidade do caminho litigioso de dar conta dos conflitos que surgem neste contexto, nos exige desenvolver novas maneiras de fazer o mais simples, que é sentar com os envolvidos para entender como estamos, o que houve e o que queremos fazer para sarar os danos e diminuir a chance de algo ruim acontecer de novo.
A Comunicação Não-Violenta teve um papel central no desenvolvimento e implantação de práticas restaurativas no Brasil — mais especificamente com a criação de Círculos Restaurativos, desde sua origem nas favelas do Rio nos anos 1990 até sua implementação nos sistemas formais de justiça, de educação e nas organizações. Ela foi central em aprimorar os elementos de um sistema restaurativo, conceituar os participantes para além do binário vítima e ofensor, o uso de perguntas, a definição de diálogo utilizada pelo facilitador e a precisão do Plano de Ação em que o Círculo resulta.
As mídias sociais são mais reativas do que dialógicas, na sua opinião?
Podemos dizer que o formato da maioria das mídias sociais atuais promove mais a debate do que o diálogo, sim.
Temos o exemplo das eleições, em que o formato promovia mais o debate e a não escuta. É possível mudar essa lógica?
Precisamos experimentar para saber. As plataformas dominantes têm promovido um impressionante aumento de expressão. Resta agora estimularem igualmente a escuta.
É possível mudar essa lógica num sistema em que o outro não costuma ser a prioridade?
Talvez a única resposta honesta possível para esta pergunta neste momento é que não sabemos. Porém, se vamos sobreviver às transformações ecológicas e tecnológicas em curso de uma forma ou outra nós vamos precisar descobrir. A ausência de diálogo — com nós mesmos, com o outro, na sociedade — está produzindo formas de viver insustentáveis. Não há futuro coletivo sem diálogo.
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Comunicação Não-Violenta (CNV), Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas. Dominic Barter: “Nossa cultura tem medo do conflito” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU